Pela primeira vez, cientistas conseguiram
teletransportar informação entre dois átomos isolados em compartimentos e
distantes 1 metro um do outro. Trata-se de uma conquista importante na
busca por um computador quântico.
O
teletransporte de
informação não deve ser
confundido com o de pessoas, visto em filmes de ficção como a série Jornada
nas Estrelas. Mas nem por isso deixa de ser algo inusitado, talvez a mais misteriosa forma
de transporte possível na natureza.
No
teletransporte quântico, a
informação (como o spin de uma partícula ou a polarização de um fóton) é transferida de um local a
outro sem que ocorra o deslocamento por um meio físico. Não há transferência de energia
nem de matéria.
Estudos anteriores conseguiram realizar
o teletransporte entre fótons por longas distâncias, entre fótons e grupos de
átomos e entre dois átomos próximos por meio da ação de um intermediário. Mas
nenhum desses casos ofereceu uma maneira viável de manter e controlar a
informação quântica por longas distâncias.
Agora,
o grupo do Joint Quantum Institute, das universidades de Maryland e Michigan,
nos Estados Unidos, obteve sucesso no teletransporte de um estado quântico
diretamente de um átomo para outro por uma distância expressiva para esse tipo
de estudo.
Na
edição de (23/1/09)
da revista Science,(veja resumo abaixo) os
pesquisadores descrevem um teletransporte com 90% de eficiência na recuperação
da informação original.
“O
sistema tem o potencial para formar a base de um ‘repetidor quântico’ em grande
escala capaz de funcionar como uma rede para memórias quânticas em grandes
distâncias. Os métodos que
desenvolvemos poderão ser usados conjuntamente com operações de bit quânticos
para criar um componente central necessário para a computação quântica”,
afirmou Christopher Monroe, um dos autores do estudo.
Os cientistas estimam que o computador
quântico será capaz de realizar tarefas complexas como cálculos relacionados a
criptografia ou buscas em gigantescas bases de dados muito mais rapidamente do
que as máquinas atuais.
A
base de funcionamento do teletransporte quântico é um fenômeno conhecido como emaranhamento, que ocorre somente em escala
atômica ou subatômica. Quando dois objetos são colocados em um estado emaranhado, suas propriedades
se tormam inextricavelmente ligadas.
Embora
essas propriedades sejam desconhecidas até que possam ser avaliadas, o simples
ato de medir qualquer um dos objetos determina instantaneamente as
características do outro, não importando a distância em que estejam separados.
Leis peculiares
No novo estudo, os pesquisadores emaranharam os estados quânticos de dois íons de itérbio (elemento químico da família dos lantanídeos) de modo que a informação contida na condição de um pudesse ser transferida para o outro.
Leis peculiares
No novo estudo, os pesquisadores emaranharam os estados quânticos de dois íons de itérbio (elemento químico da família dos lantanídeos) de modo que a informação contida na condição de um pudesse ser transferida para o outro.
Cada
íon foi isolado em um invólucro no vácuo, suspenso em uma gaiola invisível
formada por campos eletromagnéticos e envolta por eletrodos. Os cientistas
identificaram dois estados discerníveis, de menor energia, dos íons, que
serviriam como valores alternativos de um bit quântico (ou qubit).
Bits (dígitos binários) eletrônicos
convencionais, como os de um computador pessoal, estão sempre em um de dois
estados: ligado ou desligado, ou 0 ou 1. Os bits quânticos, entretanto,
podem estar em alguma combinação (superposição) dos dois estados ao mesmo tempo
– como uma moeda que ficasse simultaneamente tanto na cara como na coroa. E é
justamente esse fenômeno inusitado que dá à computação quântica seu enorme
potencial.
Cada
íon foi inicializado em um estado básico. Em seguida, o primeiro (íon A) foi
irradiado por uma emissão específica de micro-ondas de um dos eletrodos,
ficando em uma superposição de estados, como se escrevesse em sua memória a
informação a ser teletransportada.
Imediatamente,
os dois íons foram excitados durante um trilionésimo de segundo por um laser. A
duração do pulso foi tão pequena que cada íon emitiu apenas um único fóton à
medida que recebeu a energia do laser e retornou a um dos estados quânticos
iniciais.
Dependendo
do estado, cada íon emitiu um fóton cuja cor (azul ou vermelha) estava
perfeitamente relacionada com o estado quântico. É justamente esse emaranhamento entre cada bit quântico e
seu fóton correspondente que permite que os átomos se entrelacem.
Os
fótons emitidos foram capturados por lentes, encaminhados a fibras ópticas
separadas e levados para lados opostos de um separador de saída da luz, no qual
podiam passar diretamente ou ser refletidos. Nos lados do separador estavam
posicionados detectores para registrar a chegada dos fótons.
Antes
de alcançar o separador, cada fóton estava em uma superposição de estados.
Depois, quatro combinações de cores se tornaram possível: azul-azul,
vermelho-vermelho, azul-vermelho ou vermelho-azul. Na maior parte desses
estados, cada fóton cancelou o outro de um lado do separador e ambos terminaram
no mesmo detector do outro lado.
Mas
houve uma combinação na qual os dois detectores registram o fóton exatamente no
mesmo instante. Mas é fisicamente impossível determinar qual íon produz cada
fóton, ou seja, qual foi a combinação, porque não dá para saber se o fóton que
chega ao detector passou pelo separador de luz ou foi refletido por ele.
Graças às leis peculiares da mecânica quântica,
essa incerteza inerente projeta os íons em um estado de emaranhamento. Ou seja, cada um deles fica em
uma superposição dos dois possíveis estados. Como a detecção simultânea
de fótons pelos detectores não ocorre com freqüencia, o estímulo do laser e o
processo de emissão do fóton precisam ser repetidos milhares de vezes por
segundo. Mas quando um fóton aparece em cada detector, é um sinal inconfundível
do emaranhamento entre os íons.
Quando
uma condição de emaranhamento foi identificada, os cientistas imediatamente
mediram o íon A. O ato de medir fez com que ele saísse da superposição e
assumisse uma condição definitiva, isto é, um dos dois estados do bit quântico.
Mas como o estado do íon A estava irreversivelmente ligado ao do íon B, a
medição do A também fez com que o B assumisse o estado complementar.
Dependendo
de qual estado o íon A terminou, os cientistas conseguiram saber precisamente
que tipo de pulso de micro-ondas devia ser aplicado ao íon B de modo que ele
recuperasse a informação exata que foi armazenada originalmente no primeiro
íon. Era o exato teletransporte da informação.
O que distingue esse resultado como
teletransporte, e não como outra forma qualquer de comunicação, é que nenhuma
informação contida na memória original realmente passou entre os íons. Em vez
disso, a informação desapareceu quando o íon A foi medido e reapareceu quando o
pulso de micro-ondas foi aplicado no íon B. “Um aspecto particularmente
atraente de nosso método é que ele combina as vantagens únicas tanto dos fótons
como dos átomos. Fótons
são ideais para transferir informação por longas distâncias, enquanto que
átomos oferecem um meio vantajoso para a memória quântica de longa duração”,
disse Monroe.
“A
combinação representa uma arquitetura promissora para um ‘repetidor quântico’ que
permitirá com que informação quântica seja transferida em distâncias muito
maiores do que seria possível apenas com fótons. Além disso, esse
teletransporte de informação poderá constituir a base de uma internet quântica, capaz de superar em muito
qualquer outro tipo de rede”, destacou.
O
artigo Quantum teleportation between distant matter qubits, de
Christopher Monroe e outros, pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.
Science 23 January 2009:
Vol. 323. no. 5913, pp. 486 - 489 DOI: 10.1126/science.1167209 |
Reports
Quantum Teleportation Between Distant Matter Qubits
S. Olmschenk,1* D. N. Matsukevich,1 P.
Maunz,1 D. Hayes,1 L.-M. Duan,2 C. Monroe1
Quantum teleportation is the faithful
transfer of quantum states between systems, relying on the prior
establishment of entanglement and using only classical communication
during the transmission. We report teleportation of quantum information
between atomic quantum memories separated by about 1 meter. A
quantum bit stored in a single trapped ytterbium ion (Yb+)
is teleported to a second Yb+ atom with an average
fidelity of 90% over a replete set of states. The teleportation
protocol is based on the heralded entanglement of the atoms through
interference and detection of photons emitted from each atom and
guided through optical fibers. This scheme may be used for scalable
quantum computation and quantum communication.
1 Joint
Quantum Institute (JQI) and Department of Physics, University of Maryland,
College Park, MD 20742, USA.
2 FOCUS Center and Department of Physics, University of Michigan, Ann Arbor, MI 48109, USA.
2 FOCUS Center and Department of Physics, University of Michigan, Ann Arbor, MI 48109, USA.
Ação fantasma
O teletransporte de partículas
foi concebido em teoria em 1993
e realizado pela primeira vez em 1997. Outro grupo dos EUA teletransportou
fótons --partículas de luz-- entre dois pontos.
O truque por trás dos
experimentos é um fenômeno que os físicos chamam de emaranhamento --uma espécie de ligação instantânea entre duas partículas
que podem estar distantes. Quando uma é manipulada em um ponto, a outra imediatamente se altera
também.
Por ser altamente
contraintuitiva, a ideia que fundamentou o emaranhamento era altamente
criticada algumas décadas atrás. O próprio Albert Einstein, um dos padrinhos da física quântica,
rejeitava esse tipo de "telepatia" entre partículas, que chamava de
"ação fantasma à distância".
Mas os fatos --uma série de experimentos, na verdade-- calaram o grande
gênio. Hoje é
consenso entre cientistas que o emaranhamento existe, apesar de físicos e
filósofos ainda estarem debatendo como interpretar a realidade por trás dele.
Nenhum comentário:
Postar um comentário