terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O modelo paulista de cotas universitárias é bom?Sim ou Não



O modelo paulista de cotas universitárias é bom?Sim

Essa iniciativa pode ser revolucionária para o contexto paulista, mas não é novidade histórica no mundo nem no Brasil.

Nos EUA, "junior colleges" existem desde 1899 e "community colleges" são implantados a partir de 1940. No Québec, desde 1967, "Collèges d'Enseignement Général" são obrigatórios para quem postula vagas em universidades públicas. Na Escandinávia, "högskolen" oferecem o diploma de Educação Geral Superior desde 1970. Essa variante foi incorporada ao Processo de Bolonha, com a denominação de "short cycle degree".

Em todos os casos, com mais um ou dois anos, o aluno se gradua como "bachelor", pré-requisito para formação profissional em universidades. Alguns países latino-americanos já adotam o modelo. Na Argentina, a lei da educação superior (1995) prevê Colégios Universitários. A Universidad Bolivariana da Venezuela opera uma rede de "Aldeas Universitarias" (sigla Aldeas: Ambientes Locales de Desarrollo Educacional Alternativo Socialista) em 334 municípios.

Em Cuba, desde 2005, Sedes Universitarias Municipales (SUM) garantem acesso universal ao primeiro ciclo no sistema universitário. O modelo pedagógico adotado combina modalidades eficientes de educação a distância (apesar da baixa densidade tecnológica) com avaliações presenciais.

No Brasil, o conceito de Colégio Universitário, proposto por Anísio Teixeira, valorizou o projeto de Reforma Universitária da UNE, em 1963. Ciclos iniciais de formação geral foram adotados na UnB (1961) e na UFMG (1965), sendo objeto de dura repressão política.

Em 2005, a UFABC foi criada tendo exclusivamente o regime de ciclos na área de ciência e tecnologia. Na UFBA, com o Reuni (Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), abriram-se bacharelados interdisciplinares em todas as áreas de formação.

Em 2009, a Universidade Federal do Oeste do Pará adotou o ciclo básico como entrada única, prévio à carreira profissional. Em 2010, a Unicamp iniciou o Profis (Programa de Formação Interdisciplinar Superior), ciclo curto de dois anos destinado aos estudantes da rede pública da região de Campinas, prévio à formação profissional em segundo ciclo e titulação como curso sequencial.

A nova Universidade Federal do Sul da Bahia terá entrada única pelos bacharelados interdisciplinares, com 5.000 vagas em Colégios Universitários em 32 municípios.

O Conselho Nacional de Educação aprovou em 2011 referenciais curriculares do bacharelado interdisciplinar e similares, equivalente brasileiro ao modelo "college". Em 2014, serão oferecidas 20 mil vagas em cursos de primeiro ciclo em 18 universidades brasileiras, incluindo algumas de São Paulo.

Ao abrir apenas 2.000 vagas em Colégios Universitários, numa oferta total de 31.430 vagas em universidades públicas estaduais, a proposta do governo paulista mostra-se até tímida. Além disso, é segregacionista, ao propor regime de ciclos apenas para pobres, negros e indígenas.

Contudo espero que os conselhos universitários da Unicamp, da Unesp e da USP aprovem o modelo proposto e ampliem sua aplicação a todos os cursos e segmentos sociais. Assim, as estaduais paulistas reforçarão o time de universidades brasileiras que já adotam modelos curriculares compatíveis com a vanguarda acadêmica mundial. TENDÊNCIAS/DEBATES -Folha de São Paulo Autor ;Naomar de Almeida Filho, 60, pesquisador 1-A do CNPq, é coordenador da Comissão de Implantação da Universidade Federal do Sul da Bahia 


O modelo paulista de cotas universitárias é bom? Não

Segundo a Folha ("Cotidiano", 21/12/12): "Para atingir a meta de 50% (de vagas destinadas a negros e pobres), o projeto prevê duas ações. A primeira é a criação de curso preparatório semipresencial, de dois anos (...). Ao final do curso, chamado de 'college', o aluno com o equivalente à nota 7 receberá um diploma superior. Quem quiser seguir os estudos poderá entrar nos cursos de graduação, sem vestibular".

De forma elitizada, diz que negros e pobres somente podem fazer o curso desejado se considerados, com um esforço suplementar não requerido dos demais, suficientemente merecedores.

Em geral, a elite paulista considera que merecem os provenientes de seu seio: jovens brancos, oriundos dos melhores colégios privados. Certamente que, entre pobres e negros, há pessoas que têm mais méritos. Alijados, em especial na perspectiva racial, não acessam os meios adequados para provar suas qualidades.

Na meritocracia, se vista com honestidade, os mais capazes, excluídos face à sua condição econômica ou racial, devem ser contemplados com mecanismos que os coloquem em igualdade na disputa. É a velha máxima de se tratar os desiguais na medida da sua desigualdade como forma de se alcançar a justiça. Isso se dá em qualquer ação afirmativa.

O projeto, quando reserva um número de vagas para negros e pobres, vai neste sentido. Já, ao impingir um ônus (mostrar, após um determinado curso específico, que estão aptos), afasta-se do propósito. Reconhece uma diferença, para, de forma discriminatória, estabelecer um empecilho ou conceber um diplomado menos qualificado. Ao excluir, discriminando negativamente, fere a Constituição.

O certo seria promover o ingresso e, depois, dar acompanhamento aos que dele necessitarem. Pela fragilidade de sua situação, muitos terão dificuldade de completar o "college" e ainda ficar mais anos para realizar o curso que pretendiam. Vários se tornarão diplomados subqualificados, sem qualquer condição no mercado.Tudo com a possibilidade de que as vagas não preenchidas retornem para os concorrentes gerais -ou seja, como hoje, a inclusão será mais retórica do que fática.

O projeto não atende ainda às vozes provenientes das ruas.Após rumores de qual seria o modelo adotado, a sociedade civil organizada se posicionou contrariamente por meio de manifesto da Frente Pró-Cotas de São Paulo. O documento, disponível na internet, foi apresentado ao governo estadual, sendo que conta com a assinatura de mais de cem entidades e de vários professores das universidades estaduais paulistas, dentre outros.

Ali se encontram a insatisfação com a proposta e a solução do problema, indicadas pelos movimentos e atores sociais.É interessante constatar, por fim, que se fere a autonomia universitária. Ao anunciar pela imprensa modelo já acabado, o governo conta que certamente será aprovado pelas instâncias universitárias. Admitida tal premissa, percebe-se a fragilidade dessa autonomia, já que submetida à vontade do Executivo.
Dando as costas, sobretudo, ao povo de São Paulo, o governo paulista manteve a proposta nos moldes elitistas em que foi inicialmente anunciada. Não deu ouvidos ao povo, concebendo arremedo, inconstitucional, de inclusão social.TENDÊNCIAS/DEBATES -Folha de São Paulo,Autor:Marcus Orione, 48, doutor e livre-docente, é professor do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP.

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