Avião da FAB chegará no sábado(hoje) com o antídoto injetável trazido dos Estados Unidos para tratar os sobreviventes. Médicos de todo o mundo estão sendo consultados sobre a melhor forma de desintoxicar vítimas da substância - a mesmo usada nas câmaras de gás nazistas.
Os médicos encarregados do atendimento das vítimas da boate Kiss estão, neste momento, empenhados em conseguir desintoxicar os pacientes que inalaram a fumaça tóxica produzida durante o incêndio. Exames de sangue feitos em 16 pacientes internados no Hospital de Caridade de Santa Maria e em três pessoas que estão no Hospital Universitário da cidade indicaram a presença de altas concentrações de cianeto, ou gás cianídrico – a substância mortal usada nas câmaras de gás dos campos de concentração nazistas. A maior dificuldade para esse tipo de tratamento é a falta, no Brasil, da hidroxicobalamina, antídoto injetável usado para desintoxicação.
Para conseguir o medicamento, foi preciso trazer um lote da substância dos Estados Unidos. Um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) chegará no sábado(hoje) a Porto Alegre com o primeiro lote 140 kits de doses(Cyanokit), que serão distribuídas às unidades que receberam vítimas do incêndio. Os 140 kits foram doados pelo governo dos Estados Unidos.O lote de Cyanokit, está avaliado em mais de US$ 97 mil.O tratamento desse tipo de intoxicação é um desafio para as equipes médicas. Diretor clínico do Hospital Universitário de Santa Maria, Arnaldo Teixeira Rodrigues afirma que nem os médicos da unidade estão a par do prazo máximo para garantir os efeitos do medicamento que faz a desintoxicação. Os médicos envolvidos no tratamento estão em contato com especialistas de diversas partes do mundo para definir o protocolo de utilização da substância. Na tarde desta sexta-feira, cerca de 20 médicos brasileiros fizeram uma videoconferência com 15 entidades internacionais para discutir a melhor forma de tratar os pacientes intoxicados.
A morte pelo gás cianídrico é rápida, varia entre alguns segundos e poucos minutos. Ele age no interior das células, inibindo o consumo de oxigênio. Quando a célula entra em contato com o cianeto, morre. No corpo, o gás se liga à mitocôndria e para de produzir energia. “É como se as células estivessem com falta de ar. Existe o oxigênio, mas elas não conseguem usar”, explica o farmacologista Daniel Junqueira Dorta, professor do departamento de química da USP de Ribeirão Preto e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Toxicologia. O gás cianídrico é um dos mais tóxicos.
Associado a esse gás, os frequentadores da boate Kiss também inalaram monóxido de carbono, comum em casos de combustão de material orgânico. Esse gás se liga à hemoglobina de forma mais poderosa do que o oxigênio. Ou seja, o monóxido de carbono dificulta ou impede a ligação do oxigênio. “Nesses casos, as pessoas ficam com as extremidades arroxeadas por causa da falta de oxigenação”, afirma Dorta. A presença dos dois gases foi uma combinação fatal.
As vítimas do incêndio inalaram doses altíssimas do cianeto e monóxido de carbono, e por isso há risco de morte por asfixia mesmo dias depois do acidente. As proporções de cianeto encontradas no sangue dos pacientes são próximas de 200 mg/dl (miligrama por decilitro) mesmo após 80 horas de inalação. O aceitável, segundo médicos especialistas consultados pelo site de VEJA, é de 10 mg/dl. As vítimas têm, portanto, concentrações 20 vezes acima do suportável por um adulto saudável.
Espuma – O cianeto inalado pelos frequentadores da boate Kiss foi produzido pela queima da espuma sintética de cor escura empregada no isolamento acústico da casa noturna. Há materiais resistentes ao fogo usados nesse tipo de revestimento, mas na boate foi usado material mais barato, que propaga o fogo rapidamente e, em contato com o fogo, exala a fumaça tóxica. A espuma foi encontrada em aproximadamente um terço da boate.
Nesta sexta-feira(ontem), caiu de 127 para 124 o número de vítimas do incêndio na boate Kiss internadas segundo informou o Ministério da Saúde no início da tarde. Os pacientes estão hospitalizados em Santa Maria, Porto Alegre, Caxias do Sul, Canoas e Ijuí. Atualmente, 64 respiram com a ajuda de aparelhos. As unidades continuam aceitando profissionais de saúde e motoristas de ambulância voluntários podem se cadastrar para ajudar no auxílio aos feridos.
O que é o Cyanokit?
O Cyanokit é um pó para solução para perfusão (administração gota a gota numa veia). Contém a substância activa hidroxocobalamina (vitamina B12a).
Para que é utilizado o Cyanokit?
O Cyanokit é utilizado como antídoto para tratar intoxicação conhecida ou suspeita por cianeto, uma substância química extremamente tóxica. A intoxicação por cianeto resulta, habitualmente, da exposição a fumo de incêndio, da inspiração ou da ingestão de cianeto, ou do seu contacto com a pele ou com as membranas mucosas (as superfícies úmidas do corpo, tais como o revestimento da boca). O medicamento só pode ser obtido mediante receita médica.
Como se utiliza o Cyanokit?
O Cyanokit é administrado como tratamento de emergência, logo que possível após a intoxicação. É administrado como perfusão intravenosa durante 15 minutos. Em adultos, a dose inicial é de 5 g. Em crianças, a dose inicial é de 70 mg por quilograma de peso corporal, até à dose máxima de 5 g. Poderá ser administrada uma segunda dose, dependendo da gravidade da intoxicação e da resposta do doente. A segunda dose é administrada durante um período de entre 15 minutos e duas horas, dependendo da condição do doente. A dose máxima é de 10 g em adultos e de 140 mg/kg em crianças até um máximo de 10 g. O Cyanokit é administrado em conjunto com medidas apropriadas para descontaminar e suportar o doente, incluindo o fornecimento de oxigénio para o doente respirar.
Comentário do amigo José Batista de Portugal:
O cianeto é um inibidor da chamada cadeia respiratória da mitocôndria, a central energética das células, em que se produz (ou melhor se "recarrega") a molécula "adenosina trifosfato" (ATP) que é a "moeda" corrente de energia celular.
Podemos imaginar a cadeia respiratória como uma sequência de transportadores de electrons, electrons que têm como destino um receptor final que é o oxigénio molecular (O2). Ora, um dos passos dessa cadeia fica bloqueado pela ação inibidora irreversível do cianeto, o fluxo de electrons é impedido e o oxigénio não pode cumprir o seu papel que é recebê-lo, combinando-se em seguida com ions de hidrogénio para produzir água - a água que libertamos, sob a forma de vapor, através da expiração. Mas, obviamente, a morte muito rápida das células deve-se à impossibilidade de obter ATP indispensável nas reações metabólicas que consomem energia. Por isso, a morte por intoxicação com cianeto é muito rápida.
A intoxicação com monóxido de carbono (CO) tem outra "fisiologia". Esse gás liga-se à molécula transportadora de oxigénio dos pulmões para as células, chamada hemoglobina. Essa molécula (que contém ferro e que, por isso, dá a cor vermelha ao sangue) tem maior afinidade para o CO do que para o O2, pelo que, quando está ocupada com o CO permanece assim e não pode ligar-se ao O2. O facto de a hemoglobina não se ligar tão fortemente ao O2 como ao CO é que lhe permite o seu papel: fixa O2 nos pulmões, onde há muito O2 (elevada pressão parcial de O2) e liberta-o nos tecidos, junto das células, onde há pouco (baixa pressão parcial de O2), uma vez que as células o consomem rápida e continuamente. O CO é um dos gases que se libertam pelo escape dos carros, pelo que já muitas pessoas, intencionalmente ou não, morreram enquanto permaneceram em garagens fechadas com o motor do carro em funcionamento. Quando se usava carvão vegetal em braseiras, para aquecimento, também era frequente morrerem famílias inteiras, porque acendiam a braseira num compartimento e, por causa do frio, fechavam bem as portas e as janelas.
É curioso que, quando se é intoxicado por CO, a hemoglobina está "carregada" com gás, só que não o O2, e por isso, os "detetores" orgânicos da carência de O2 são como que enganados e as pessoas morrem calmamente, por exemplo com sonolência progressiva, sem sentiram qualquer horror pela falta de ar...
Uma maneira de ajudar alguém intoxicado com CO é rapidamente fazê-la respirar uma atmosfera de O2 puro. Assim a pressão parcial de O2 é máxima e pode forçar a desocupação da hemoglobina pelo CO.
O Texto abaixo é de autoria do médico intensivista Milton Pires:
Em 1967 a Guerra do Vietnã envolvia um contingente cada vez maior de soldados americanos. A necessidade de atendimento aos feridos graves, entre eles as vítimas de queimadura e intoxicação, demandava recursos materiais e humanos cada vez mais complexos.
Os Estados Unidos construíram, na cidade litorânea de Da Nang, um hospital militar com o objetivo de atender suas tropas. Nesta época não existia propriamente a especialidade hoje conhecida como Terapia Intensiva. Foi com espanto que os médicos militares começaram a atender um número cada vez maior de pacientes vítimas de intoxicação em função do chamado “agente laranja” e outras substâncias químicas utilizadas para desfolhamento de florestas e localização dos esconderijos inimigos.
As pessoas apresentavam como quadro clínico uma síndrome que envolvia, entre outros sinais e sintomas, acúmulo de líquidos nos pulmões e diminuição da capacidade de oxigenação do sangue. Essa nova doença ficou conhecida como “Pulmão de Da Nang” e hoje, nós intensivistas, a chamamos de SARA – Síndrome de Angústia Respiratória do Adulto.
Fiz esta breve introdução para dizer que é isto que pode acontecer com os sobreviventes do incêndio de Santa Maria. Mais: gostaria que ficasse muito claro a todos que este tipo de “coisa” não pode ser atendido (numa situação que envolve um número de pacientes tão grandes) com segurança em nenhuma capital brasileira.
Isto ocorre porque simplesmente não há unidades de terapia intensiva (UTIs) em número suficiente nem respiradores artificiais para atender tanta gente.
Em meio a tanto desespero não há um só político ou autoridade da saúde com honestidade suficiente para dizer aquilo que escrevi acima.
Há pelo menos quatro décadas assistimos gerações e mais gerações de secretários e ministros da Saúde insistindo na ideia de medicina comunitária e prevenção.
Pois bem, pergunto agora: o que nós, médicos intensivistas, devemos fazer com as pessoas que sobreviveram ao incêndio de Santa Maria? Encaminhá-las para postos de saúde?
Não se constrói um hospital público em Porto Alegre desde 1970!
Pelo contrário; vários foram à falência e fecharam! Que o Brasil inteiro saiba que é MENTIRA a afirmação das autoridades de que Porto Alegre tem leitos de UTI suficientes para atender toda essa gente!
A Secretaria estadual da Saúde pode, se necessário, comprar leitos na rede privada mas mesmo assim é muita sorte haver algum disponível.
Com relação aos responsáveis por esta tragédia, deixo aqui a minha opinião – foi o poder público corrupto, negligente e incompetente, quem MATOU todos estes jovens!
É esse tipo de gente que quer entupir o Brasil com médicos de Cuba e do Paraguai, que manda médicos para o Haiti e que insiste em saúde “comunitária”, que agora aparece na televisão chorando e abraçando os pais das pessoas que morreram.
Termino aqui; como em toda situação de guerra, a primeira vítima de Santa Maria, assim como em Da Nang, foi a verdade – jamais esqueçam isto !
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